segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Autárquicas: um balanço pessoal

Foi hoje: depois de semanas de cartazes, tambores e beijinhos pela Avenida da República, Vila Nova de Gaia dirigiu-se às urnas para votar. Cessaram por fim as músicas com as rimas esquisitas, as visitas forçadas dos candidatos às várias instituições do concelho, os discursos de campanha, os panfletos distribuídos freneticamente junto às estações do metro. Gaia volta à normalidade, agora com um novo Presidente da Câmara - e Mafamude com um novo presidente da Junta.
Mas cuidado: nem tudo são rosas.
Começando pela abstenção, que ronda os 42 - 43% (para já, sendo que faltam apurar cerca de mil freguesias). Ora, se eu tivesse de falar naquilo que mais me desagrada em dia de eleições, seria isto. O povo português conquistou o direito ao voto, lutou. Com essa força, ultrapassou assim um regime ditatorial (onde o "voto" era uma representação teatral, e não mais do que isso) e alcançou a democracia. O povo deu-se a si mesmo o direito de escolha de quem quer que o governe. Por essa lógica, é um governo feito pelo povo. Hoje sabemos que não é bem assim; no entanto, este direito conquistado, seguindo a mesma linha de raciocínio, será também um dever.
Não é um dever de todo o cidadão envolver-se no Estado ao escolher por quem quer ser governado? Aí, o leitor responder-me-á: votar é um direito; mas escolher não votar é um direito também. Com toda a razão, caro leitor. Como diz a minha avó, cada um sabe de si e das escolhas que faz. Agora responda-me a isto: o cidadão que reúne todas as condições para votar e não o faz, terá palavra a dizer sobre quem o governa?Não participou na escolha do Governo, afinal. Não poderá dizer: "Caramba, eu votei neste senhor e ele enganou-me" ou "Eu votei no senhor X, mas foi o senhor Y ganhou as eleições e deu cabo disto tudo!" ou ainda "Por isso é que eu não coloquei cruz nenhuma no boletim. Estão a ver como são todos a mesma coisa?".
Hoje, foi a primeira vez que votei. Sinto-me orgulhosa por estar a fazer parte deste direito/dever, contente por estar a participar, ainda que muito pouco, no governo da "minha terra". Sempre tive intenções de o fazer - nem que fosse para votar em branco ou escrever um comentário menos feliz no boletim.
Quando liguei a televisão para verificar os resultados destas eleições, deparei-me com um gráfico que mostrava as vitórias a nível nacional dos vários partidos políticos. Na altura, o PS estava à frente do PSD/CDS-PP uns dois pontos percentuais. Momentos após ter visto isto, entra em cena uma entrevista com uma senhora do Bloco de Esquerda, derrotada nas eleições num concelho cujo nome não me recordo. O ponto fulcral do seu discurso foi o seguinte: "Claramente, o governo perdeu estas eleições". Voltei ao gráfico: sim, o principal partido da oposição detinha o maior número de vitórias nas autarquias do país.
Aqui eu pergunto: o que esteve em jogo em cada uma das autarquias? O que está em jogo no poder local? É a força e influência do partido político? O carisma do candidato? A troika?
Como diz, mais uma vez, a minha sábia avózinha, quando reclama com o meu avô: "Oh homem, nas autárquicas o que mais conta é a pessoa que para lá vai, não tanto o partido!". Acho que cada pessoa terá uma visão diferente desse aspecto, mas aqui em Vila Nova de Gaia é esta a perspectiva que eu tenho.
Aqui, o Partido Socialista ganhou. O candidato pelo PS Eduardo Vítor Rodrigues venceu as eleições, tal como o candidato à Junta de Freguesia de Mafamude. Signifca que os Gaienses estão fartos da política do governo, fartos da Troika, fartos da coligação PSD/CDS-PP, fartos do Passos Coelho?
Não, eu acho que não. Passo a explicar.
Durante anos, Luís Filipe Menezes esteve à frente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, mudando o concelho. Deixou obra feita, elevou Gaia a estatuto de grande cidade. Foi aplaudido e re-eleito - mesmo com a dívida colossal que deixou e que prejudica não só a Câmara Municipal como também as empresas às quais a Câmara deve. Para Menezes, Gaia era a última paixão, a sacrificada paixão. Mas - oh, surpresa - afinal era do outro lado do rio o sítio que ele verdadeiramente amava! Menezes atravessou a ponte, munido de confiança (e dinheiro para campanha). Os Gaienses ressentiram-se. Aperceberam-se. Queriam alguém que seguisse as suas obras e decisões, mas ao mesmo tempo alguém mais competente, mais confiável. Ora, a população dividia-se maioritariamente entre Eduardo Vítor Rodrigues, um candidato que, apesar do PS, acompanhou Menezes nalgumas decisões (segundo ouvi dizer) e Guilherme Aguiar, candidato independente que espalhou o sorriso pelas ruas. Ultimamente, o primeiro acabou por vencer. Porque não Carlos Abreu Amorim, candidato do PSD/CDS-PP? Bem, pessoalmente acho-o estranho. O sorriso dele assusta-me. Não parecia trazer nada de novo ou de sério à Câmara.
Falemos agora de Mafamude. O leitor conhece Mafamude? Eu explico: é uma freguesia simpática do concelho de Gaia, governada há coisa de 30 anos pelo mesmo sujeito - que, POR ACASO, é do PSD. Não estaria na altura de uma mudança? Por que não votar num indivíduo que, embora do PS, saiba dar outro rumo à freguesia? Consigo imaginar o senhor ex-presidente da Junta a levantar-se do seu lugar, finalmente, e consigo levantando-se uma nuvem de pó. Alguém contrate funcionários de limpeza e bons aspiradores.
Resumindo: foi o governo? Foi a Troika? A meu ver, não. E não me parece que tenha sido assim em muitos outros concelhos. Aproveitem, caros leitores, para ler e ouvir as declarações de vitória (e derrota) de vários partidos políticos. Reparem em como todos eles, à falta de melhor argumento, apontam o dedo ao Governo, põem a língua de fora e dizem: "Ahah! Perdeste! O país não confia mais em ti!". Caros candidatos, não é preciso recorrer a resultados de autárquicas para dizer se o país confia ou não em quem o governa. A prova dos nove está nas ruas. Nas manifestações recorrentes. Nas reportagens constantes onde se vêem escolas sem professores e alunos sem aulas, por exemplo.
Desenganem-se aqueles que dizem que Troika é desastre. "Vamos dar um pontapé no cu à Troika!". Está bem. E de onde tiras depois o dinheiro para gerir o orçamento nacional? Do teu traseiro também? Se há outras medidas de austeridade, proponham-nas. Se estão contra certas medidas do primeiro-ministro, oponham-se, lindo. Mas sejam construtivos. Sugiram coisas novas. Cansa ouvir sempre as mesmas coisas, das mesmas pessoas. "Sr. primeiro-ministro, você é um nabo! Ninguém confia em si! O governo está desgovernado! A troika é o novo governo de Portugal!". Se calhar é por isto que há tão elevada abstenção: mudam as moscas, mas a porcaria continua a mesma - frase que aprendi também com a minha avó.
Consigo já adivinhar o discurso do líder do Partido Socialista, o Sr. António José Seguro. Terá de ir, decerto, acompanhado por um babete, quando falar aos jornalistas sobre a quantidade de Câmaras Municipais que o seu querido Partido conquistou. Afiará ainda a língua e não poupará críticas ao governo e à Troika, reagindo como se tivesse acabado de ganhar as Legislativas. E se ganhasse? O que faria? Cortava com a Troika? Volto a perguntar também: de onde tirava o dinheiro para o orçamento, do traseiro?
Não me assumo fã de qualquer partido político. Assumo-me apartidária. Não há qualquer partido com o qual me identifique totalmente e não há nenhum que não me desiluda. Tenho no entanto alguns "ódios de estimação partidários", e António José Seguro é um deles. Os seus discursos, um após o outro, não trazem nada de novo. Está a tornar-se como Jerónimo de Sousa - que há anos está na cadeira de líder do Partido Comunista Português, esperando ser Primeiro-Ministro ou Presidente da República (engraçado, não é?). É como o ex-presidente aqui da Junta: um dia que se levante da cadeira, apodera-se o pó de tal forma da sala que vai ser preciso uma equipa inteira de limpeza.
Leitores, preparem-se para o que ouvirão nas notícias. O que a mim me safa é que não almoçarei em casa - e a televisão do bar da faculdade está, vá-se lá saber porquê, sintonizada no Canal História.
 Irónico...

Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto' Apesar de toda a confiança Tudo regressa numa palavra Adeus à segurança Como uma assombração se volta ...