domingo, 12 de dezembro de 2021

Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto'

Apesar de toda a confiança

Tudo regressa numa palavra

Adeus à segurança

Como uma assombração se volta

Há seis meses atrás

Ando para a frente e para trás.

Um fantasma sem destino,

Sem cor ou rumo sequer

Uma voz em desafino,

Que quebra ao ver

Os vivos que respiram

Deste lado da janela

Que sem ti continuaram

Sem luto à luz da vela.


Se pudesse, escrever-te-ia

Para te manteres bem longe

A tua distância é minha alegria,

Tua ausência meu encanto.

Não há mais nada teu aqui,

Não sei ao que vens.

A vida seguiu sem ti,

E pouco me interessa o que (não) tens.



quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Outono (2014)

E eu, que poderia ficar fascinada com os mais bonitos pores-do-sol pela costa deste país, pelo carinho intrínseco ao amor ou pelas mais belas palavras de um texto, escolhi antes descobrir-te a ti. Escolhi antes deixar-me espantar pelos teus sonhos, passar a mão pelo teu cabelo, procurar no teu olhar um sinal de reciprocidade. Descobri-me perdida em quem tu és, nos teus gestos, no tom da tua voz, no teu sotaque. Descobri-me triste pelo cair da noite, na ausência da tua companhia ou compreensão. Descobri-me apagada pelas gotas intermináveis de chuva, que parecem sempre assinalar um negro marco e mais uma cicatriz na minha pele.
Tanta coisa a que poderia dedicar o meu tempo – a magia da leitura, o mistério da escrita… – mas ao invés disso aventurei-me em ti. Contigo. Mesmo sem ti, aventuro-me contigo no pensamento.
Tantas pessoas nas quais poderia investir – tanta gente ainda por conhecer! -, mas ignorei para te observar somente a ti. Para estudar cada passo que dás, no mais profundo fascínio que o ser humano é capaz de conseguir sentir.
Tanta coisa que poderia exprimir-te, dizer-te, confessar-te… De alguma forma, parece impossível transcrever o que o olhar transmite num único relance.

Aguardo, no mais profundo silêncio de alma, ouvindo o eco da chuva na janela e olhando para a escuridão de Outono lá fora. Aguardo. Sabendo que não posso esperar nada mais que um sonho.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Canção de aeroporto (2016)

Na auto-estrada, sinto o meu estômago a contorcer-se mais a cada quilómetro que avanço. A aproximação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro deixa-me um sabor agridoce na boca: umas vezes, é o paladar de quem, nauseada, recusou ao corpo qualquer alimento; de outras vezes, é a própria sensação de que tudo o que chega, voltará a partir. Mais perto do fadado aeroporto, a estrada divide-se em duas: a azul, o itinerário das Partidas; a branco, o caminho mais feliz das Chegadas.
Já à entrada do aeroporto, o vai-e-vem daquelas portas lança-me uma questão: como consigo estar de pé, se as minhas pernas se contorcem sob o peso da angústia? Como sou capaz de pegar, valentemente, numa mala de viagem e retirá-la do porta-bagagens?
Não sei. E até hoje, querido aeroporto, não te consigo responder a essa questão. Julgo que todos nós temos uma reserva de forças que guardamos para estes momentos. Como uma reserva de combustível, que serviu, sorte a nossa, para percorrer aqueles quilómetros extra através de uma planície deserta e sedenta. É mais ou menos o mesmo. .
Quando olho em tua volta, caro aeroporto, observo uma diversidade de rostos. É neles que me abstraio: fixando cada uma destas caras desconhecidas, questiono por que estarão ali; imagino histórias de aflição, amor e aventuras, escrevo mil contos dentro da minha cabeça. É uma boa forma de fazer uma pausa na minha própria história, que tanto custa a prosseguir naqueles momentos. Em especial no check-in, que acompanho com o sentimento de quem está a testemunhar algo a ser-lhe arrancado do peito e nada pode fazer.

Oh terminal de partidas,
Só tu sabes como é a solidão...
A de quem fica, e a de quem segue no avião.


E o terminal de chegadas, por onde se passa ao descer,
Deixa uma ânsia de acelerar o tempo,
Para que pare de doer,
Abandonar a tristeza, a saudade, e o momento.

Já pisei o teu chão de pernas bambas e estômago revolto,
Triste
Mas também o fiz de sorriso brilhante e cabeça erguida

Oh terminal de chegadas, quantos abraços já tu viste?
Quantas vezes não te riste das lágrimas de felicidade

Oh Francisco Sá Carneiro,
Como é suposto que eu deixe ir a minha metade
E me obriguem a Ser Eu por inteiro?



Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto' Apesar de toda a confiança Tudo regressa numa palavra Adeus à segurança Como uma assombração se volta ...