quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Exaustão

Chega um momento em que a exaustão puxa por mim. Mais do que a dignidade, do que a esperança, do que a força, do que a preserverança.
Sempre fui aquele tipo de pessoa que, por muito que estivesse derrotada, não conseguia passar o dia debaixo dos lençóis. Há qualquer coisa que fervilha no meu sangue e que me arrasta para fora de casa - como um zombie, praticamente - à procura de algo melhor.
Hoje, explodi.
A minha alma cansou-se de ser rasgada, de ser brinquedo nas mãos de quem sou segunda opção; o meu corpo cansou-se da pressão. O meu cérebro não consegue pensar.
Por hoje, chega. Desligo o computador e leio um bom livro até conseguir ter ganas para adormecer.
Com ou sem musica, com ou sem Fernando Pessoa.
Amanhã será, talvez, outro dia.

Mais, demais

Mais um daqueles dias.
Acordei sobressaltada após mais um sonho conturbado. Limpei o suor da testa. Olhei para cima, tentando fixar o tecto e as pequenas estrelas que lá tenho coladas (foram compradas na loja do chinês, em 2005, e ainda "funcionam" mais ou menos bem).
"Talvez sejam já 6 da manhã."
Verifiquei no telemóvel e, para meu agrado, o palpite estava errado. 4 da manhã. (Ah! 4 da matina... Aquela hora fantástica). Arranjei os cobertores e fechei os olhos, tentando enxotar as imagens daquele sonho.
Voltei a acordar às 7 horas. Num salto, pus-me de pé, puxei os estores, abri a janela, peguei na roupa e corri para tomar um duche. Ainda consegui arranjar um bom pequeno almoço: aqueci um pão e uma caneca de leite, onde juntei café e uma pitada de cacau. Mexer, comer, beber, lavar os dentes.
"Até logo, Joninhas!" - Afaguei o focinho do meu cachorro, que me olhava com as orelhas meio caídas (tinha acabado também de acordar).
Saí para fora do prédio e senti um bafo gelado na cara: o vento frio não perdoou. Também não esperava que o fizesse. Não mereço.
Aligeirei o passo para estar com quem me acompanha nestas manhãs; aprendi um pouco mais sobre Freud e a Psicanálise, acabei de ler a última obra freudiana obrigatória da disciplina; almocei bem; cheguei a casa.
"Ufa."
Pude arrancar a máscara do rosto e atirá-la para o chão.
Hoje, como em tantos dias, no meio de rotinas e queridas companhias, não me sinto aquilo que sou. Ou não serei aquilo que sinto...? Como saber? (Acho que ando a ler demasiado Fernando Pessoa!).
Senti um nó na garganta que não consigo descrever. Sinto-me usada, gozada.
("I remember when all the games began")
Promessas, promessas, promessas... Ligações e vinculações... Tantas palavras para quê? Ainda assim, continuo neste rodopio. Não consigo sair.
("And I never walked away, it's still a mistery to me")
Custou-me muito aceitar ser honesta - normalmente falo por metáforas, é-me mais fácil - comigo própria. Admitir a mim própria aquilo que me recusaria jamais a admitir... Que tenho tudo e mesmo assim me olho ao espelho incompleta... Como uma música com um poderoso riff, mas sem um ritmo adequado. (Porra! As metáforas. Oh, se dane).
Olhei para a secretária, onde estava (já não está, já foi) uma tablete de chocolate. Olhei por mim abaixo.
- Bah, pior que isto já não faz.
Consolei-me com o chocolate por um bocado, enquanto ligava o computador para imprimir umas coisas de psicofisiologia e para verificar o e-mail. Aproveitei e fui ao facebook (nada de mais) e ao tumblr (o mesmo Mundo sem sentido, o mesmo de sempre).
Fixei o ecrã. Os pensamentos. Os momentos. As palavras. Fechei os olhos. Conseguia ver aquele olhar à minha frente, ouvir aquelas palavras, sentir a minha pele a arrepiar-se e a gravidade a deixar de ter efeito. Para nada. Tentei pôr esses pensamentos em segundo plano, mas um poema acabava sempre por surgir.

Marcas o passo com os teus erros e medos
Abraças a vida sem segredos
Ris e sorris, choras de madrugada
(Por coisas que, afinal, se desfizeram. Nada.)
Com os olhos carregados, noites sem dormir
(Noites seguidas, sem sonhos, sem sonos,
Sem ilusões ou tranquilidades)
Olhando para o tecto, à espera da calma... à espera de a sentir...
Sempre teimando em resistir.

Que rodopio. Repugnância.
("As wicked as you are, you're beautiful to me").
Não consigo estudar... Procrastinar também não está a dar muito resultado. O telemóvel lá vai tremendo, a guitarra lá vai chamando, a voz lá vai treinando. Mas nada de mais. E cá continuo, nesta indecisão de semanas, nesta montanha russa que avariou no percurso.
Escrever, ler, reler. Até à hora de adormecer.
("It's over...")
Por agora.


Consciências, Inconsciências (Março 2013)

São os contornos da minha consciência
Aqueles que se apagam um a um,
Segundo a segundo,
Tempo a tempo,
Até não sobrar nenhum.
É um cruzar de braços, um tremer de frio
Traços e rabiscos que nunca ninguém verá,
Uma falta de brio
Que também mais ninguém terá.
Questões, perguntas, interrogações,
Uma vontade imensa, esmagada pelas condições.
Dir-te-ei o que quero,
Se prometeres não desviar o olhar.
O Mundo não é sincero,
Não é certo
E não me dá asas para conseguir voar.

Foge comigo, basta um olhar
Um único sinal e estou disposta a saltar.


"Seize the day" (Agosto 2013)

"Estou cansada de esperar pelo fim dos dias".
 Pelo fim de tudo. Pelo fim dos sorrisos, da alegria, da segurança, do carinho. Cansada de saber que em cada fase do percurso há perdas irreparáveis; que a cada passo seguro que dou segue-se uma queda de muitos e muitos metros de altura.
Estou cansada de ver ruínas à minha volta e saber que é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, volte a acontecer... De uma forma ou de outra.
Estou cansada de ouvir falar em tragédias, amores perdidos por orgulho, traições e vidas duplas. Cansada de as ver passar à minha frente.
Aproveito o dia, sugo todo o ar com um sorriso. Longe vão os tempos em que pensava sobre as coisas mais simples em vez de simplesmente as viver. Ou amar.
"Seize the day, or die regretting the time you lost."
As cicatrizes não são visíveis, mas sinto-as cá no fundo. Gritam por mais. É ao meu Paraíso de Esperança que me agarro, na fé cega por algo mais. Tenho de o fazer, sem isso não sou nada.
"It's empty and cold without you here, too many people to ache over".



domingo, 10 de novembro de 2013

Discurso a uma alma

Esta é a carta que escrevi, na madrugada do dia 1 de Setembro. Por falta de ar (e de coragem), não a li. Era suposto tê-la lido de olhos limpos e fortes pulmões em frente ao caixão do meu avô, dirigida a toda a capela. Aqui fica.

Antes de mais, quero agradecer-vos em nome da minha família pela vossa presença nesta cerimónia. Significa muito. Direi algumas humildes palavras, em nome dos filhos, dos netos e da pequenina bisneta do sr. Germano.

O nosso pai e nosso avô viveu em pleno. No seu percurso, conquistou muita coisa à custa de sangue e suor, experienciando derrotas igualmente poderosas. Sempre o vimos como um homem rijo, que tinha a palavra final em toda a ocasião. Poderíamos até compará-lo a um comandante, que liderou as suas tropas da melhor maneira que soube.
Mas por vezes, a vida transforma-se.
Os planos para o futuro, a ideia de envelhecer com graça até ao fim dos tempos… Parece que somos invencíveis. Mas a verdade, essa, é fria como gelo.
A doença atirou o nosso pai e avô para uma lenta e penosa mudança, como a tempestade atira um humilde barco piscatório contra os rochedos. Nunca aceitando completamente o que lhe reservava, lutou como o guerreiro que estava acostumado a ser. E nós? Lutámos do lado dele. Uns mais perto, outros mais longe. Mas não importava a distância, pois as lágrimas têm o mesmo sal e a angústia tem o mesmo sabor amargo para todos.
Quisemos sobretudo agarrá-lo à vida e ao sorriso, fizemos o que podíamos para isso. E ele também. O nosso papel, além de prestar cuidados, foi de espelhar optimismo face à situação. Chorávamos por dentro, com o estômago a torcer-se de dores, mas mostrávamos-lhe um sorriso, passando a mão pela sua cara. “Vai ficar tudo bem”, dissemos, repetidas vezes. Se calhar, mais para nos convencermos a nós próprios do que para o incentivar a ele. Até que a doença levou a melhor sobre a sua personalidade e a sua força de vontade. Uma decadência morosa e dolorosa.
A nossa mãe e avó lutou do seu lado como uma poderosa aliada. Mesmo nos momentos mais solitários, frustrantes e pesados, ergueu as armas bem alto. Não desistiu até ao último suspiro daquele que foi o seu companheiro por cinquenta anos. É uma referência e um exemplo para todos nós. Mais uma batalha estende-se pela sua frente: a batalha da perda profunda. Mas não irá estar sozinha.
Na madrugada de 28 para 29 de Agosto, sentimos a respiração do sr Germano pesada e difícil. Chamámos quem dormia: “está na hora?” perguntámos, sem receber a resposta. Reunidos em redor da cama, observámo-lo como anjos da guarda, apertando as suas mãos. Sentindo-o relaxar e estabilizar, fomos dormir. Eram 4 da manhã.
Escassas horas depois, ele finalmente partiu. Sentindo o amor da família, finalmente deixou-se levar na viagem. Acabou o sofrimento. Acabou a dor. A dele, não a nossa. A nossa perdura, intensifica-se. Porque uma coisa é saber que a morte aguarda, que espreita. Outra, é ter de fitar um ente querido que jaz imóvel diante daqueles que o amam.
O sr Germano levou uma parte de cada um de vocês que aqui estão com ele. Teremos de encontrar um cantinho no nosso coração onde ele esteja a salvo, onde a doença não o amarre, onde ele ria, fale, resmungue. Abrace.

Pai: enfim livre, voaste. Ainda vemos a tua silhueta no canto do olhar, ainda ouvimos a tua voz em cada corredor. Embora longe, serás sempre nosso - e levaste uma parte de cada um de nós nessa tua nova viagem.
Não é um Adeus: é um até mais logo, avô ♥ "

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Autárquicas: um balanço pessoal

Foi hoje: depois de semanas de cartazes, tambores e beijinhos pela Avenida da República, Vila Nova de Gaia dirigiu-se às urnas para votar. Cessaram por fim as músicas com as rimas esquisitas, as visitas forçadas dos candidatos às várias instituições do concelho, os discursos de campanha, os panfletos distribuídos freneticamente junto às estações do metro. Gaia volta à normalidade, agora com um novo Presidente da Câmara - e Mafamude com um novo presidente da Junta.
Mas cuidado: nem tudo são rosas.
Começando pela abstenção, que ronda os 42 - 43% (para já, sendo que faltam apurar cerca de mil freguesias). Ora, se eu tivesse de falar naquilo que mais me desagrada em dia de eleições, seria isto. O povo português conquistou o direito ao voto, lutou. Com essa força, ultrapassou assim um regime ditatorial (onde o "voto" era uma representação teatral, e não mais do que isso) e alcançou a democracia. O povo deu-se a si mesmo o direito de escolha de quem quer que o governe. Por essa lógica, é um governo feito pelo povo. Hoje sabemos que não é bem assim; no entanto, este direito conquistado, seguindo a mesma linha de raciocínio, será também um dever.
Não é um dever de todo o cidadão envolver-se no Estado ao escolher por quem quer ser governado? Aí, o leitor responder-me-á: votar é um direito; mas escolher não votar é um direito também. Com toda a razão, caro leitor. Como diz a minha avó, cada um sabe de si e das escolhas que faz. Agora responda-me a isto: o cidadão que reúne todas as condições para votar e não o faz, terá palavra a dizer sobre quem o governa?Não participou na escolha do Governo, afinal. Não poderá dizer: "Caramba, eu votei neste senhor e ele enganou-me" ou "Eu votei no senhor X, mas foi o senhor Y ganhou as eleições e deu cabo disto tudo!" ou ainda "Por isso é que eu não coloquei cruz nenhuma no boletim. Estão a ver como são todos a mesma coisa?".
Hoje, foi a primeira vez que votei. Sinto-me orgulhosa por estar a fazer parte deste direito/dever, contente por estar a participar, ainda que muito pouco, no governo da "minha terra". Sempre tive intenções de o fazer - nem que fosse para votar em branco ou escrever um comentário menos feliz no boletim.
Quando liguei a televisão para verificar os resultados destas eleições, deparei-me com um gráfico que mostrava as vitórias a nível nacional dos vários partidos políticos. Na altura, o PS estava à frente do PSD/CDS-PP uns dois pontos percentuais. Momentos após ter visto isto, entra em cena uma entrevista com uma senhora do Bloco de Esquerda, derrotada nas eleições num concelho cujo nome não me recordo. O ponto fulcral do seu discurso foi o seguinte: "Claramente, o governo perdeu estas eleições". Voltei ao gráfico: sim, o principal partido da oposição detinha o maior número de vitórias nas autarquias do país.
Aqui eu pergunto: o que esteve em jogo em cada uma das autarquias? O que está em jogo no poder local? É a força e influência do partido político? O carisma do candidato? A troika?
Como diz, mais uma vez, a minha sábia avózinha, quando reclama com o meu avô: "Oh homem, nas autárquicas o que mais conta é a pessoa que para lá vai, não tanto o partido!". Acho que cada pessoa terá uma visão diferente desse aspecto, mas aqui em Vila Nova de Gaia é esta a perspectiva que eu tenho.
Aqui, o Partido Socialista ganhou. O candidato pelo PS Eduardo Vítor Rodrigues venceu as eleições, tal como o candidato à Junta de Freguesia de Mafamude. Signifca que os Gaienses estão fartos da política do governo, fartos da Troika, fartos da coligação PSD/CDS-PP, fartos do Passos Coelho?
Não, eu acho que não. Passo a explicar.
Durante anos, Luís Filipe Menezes esteve à frente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, mudando o concelho. Deixou obra feita, elevou Gaia a estatuto de grande cidade. Foi aplaudido e re-eleito - mesmo com a dívida colossal que deixou e que prejudica não só a Câmara Municipal como também as empresas às quais a Câmara deve. Para Menezes, Gaia era a última paixão, a sacrificada paixão. Mas - oh, surpresa - afinal era do outro lado do rio o sítio que ele verdadeiramente amava! Menezes atravessou a ponte, munido de confiança (e dinheiro para campanha). Os Gaienses ressentiram-se. Aperceberam-se. Queriam alguém que seguisse as suas obras e decisões, mas ao mesmo tempo alguém mais competente, mais confiável. Ora, a população dividia-se maioritariamente entre Eduardo Vítor Rodrigues, um candidato que, apesar do PS, acompanhou Menezes nalgumas decisões (segundo ouvi dizer) e Guilherme Aguiar, candidato independente que espalhou o sorriso pelas ruas. Ultimamente, o primeiro acabou por vencer. Porque não Carlos Abreu Amorim, candidato do PSD/CDS-PP? Bem, pessoalmente acho-o estranho. O sorriso dele assusta-me. Não parecia trazer nada de novo ou de sério à Câmara.
Falemos agora de Mafamude. O leitor conhece Mafamude? Eu explico: é uma freguesia simpática do concelho de Gaia, governada há coisa de 30 anos pelo mesmo sujeito - que, POR ACASO, é do PSD. Não estaria na altura de uma mudança? Por que não votar num indivíduo que, embora do PS, saiba dar outro rumo à freguesia? Consigo imaginar o senhor ex-presidente da Junta a levantar-se do seu lugar, finalmente, e consigo levantando-se uma nuvem de pó. Alguém contrate funcionários de limpeza e bons aspiradores.
Resumindo: foi o governo? Foi a Troika? A meu ver, não. E não me parece que tenha sido assim em muitos outros concelhos. Aproveitem, caros leitores, para ler e ouvir as declarações de vitória (e derrota) de vários partidos políticos. Reparem em como todos eles, à falta de melhor argumento, apontam o dedo ao Governo, põem a língua de fora e dizem: "Ahah! Perdeste! O país não confia mais em ti!". Caros candidatos, não é preciso recorrer a resultados de autárquicas para dizer se o país confia ou não em quem o governa. A prova dos nove está nas ruas. Nas manifestações recorrentes. Nas reportagens constantes onde se vêem escolas sem professores e alunos sem aulas, por exemplo.
Desenganem-se aqueles que dizem que Troika é desastre. "Vamos dar um pontapé no cu à Troika!". Está bem. E de onde tiras depois o dinheiro para gerir o orçamento nacional? Do teu traseiro também? Se há outras medidas de austeridade, proponham-nas. Se estão contra certas medidas do primeiro-ministro, oponham-se, lindo. Mas sejam construtivos. Sugiram coisas novas. Cansa ouvir sempre as mesmas coisas, das mesmas pessoas. "Sr. primeiro-ministro, você é um nabo! Ninguém confia em si! O governo está desgovernado! A troika é o novo governo de Portugal!". Se calhar é por isto que há tão elevada abstenção: mudam as moscas, mas a porcaria continua a mesma - frase que aprendi também com a minha avó.
Consigo já adivinhar o discurso do líder do Partido Socialista, o Sr. António José Seguro. Terá de ir, decerto, acompanhado por um babete, quando falar aos jornalistas sobre a quantidade de Câmaras Municipais que o seu querido Partido conquistou. Afiará ainda a língua e não poupará críticas ao governo e à Troika, reagindo como se tivesse acabado de ganhar as Legislativas. E se ganhasse? O que faria? Cortava com a Troika? Volto a perguntar também: de onde tirava o dinheiro para o orçamento, do traseiro?
Não me assumo fã de qualquer partido político. Assumo-me apartidária. Não há qualquer partido com o qual me identifique totalmente e não há nenhum que não me desiluda. Tenho no entanto alguns "ódios de estimação partidários", e António José Seguro é um deles. Os seus discursos, um após o outro, não trazem nada de novo. Está a tornar-se como Jerónimo de Sousa - que há anos está na cadeira de líder do Partido Comunista Português, esperando ser Primeiro-Ministro ou Presidente da República (engraçado, não é?). É como o ex-presidente aqui da Junta: um dia que se levante da cadeira, apodera-se o pó de tal forma da sala que vai ser preciso uma equipa inteira de limpeza.
Leitores, preparem-se para o que ouvirão nas notícias. O que a mim me safa é que não almoçarei em casa - e a televisão do bar da faculdade está, vá-se lá saber porquê, sintonizada no Canal História.
 Irónico...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Cancro



Foi há dias. Estava sentada na cadeira, de olhos postos no ecrã do computador, frustrada porque não conseguia passar aquele nível chato do jogo do facebook. Pelo canto do olho, conseguia ver os acordes das músicas que havia praticado durante a tarde; interrogava-me se estaria à altura do ensaio daquela noite. A minha mente foi divagando: pensei no meu namorado e naquela manhã, pensei no início das aulas, pensei no fim-de-semana, enfim. Absorvida no mundano.


Até que vim a saber isto: mais uma pessoa que conheço foi diagnosticada com um tumor. Reagi com perplexidade, expressei o meu apoio a olhos raiados e a lacrimejar, abracei. Sozinha outra vez, apoiei os cotovelos na secretária e deixei-me estar por minutos incontáveis. O ecrã do computador ficou negro. Comecei a fazer as minhas contas: "quantas pessoas conheço cujos familiares têm cancro ou já morreram graças à doença...?" Reformulei: "quantas pessoas conheço cujos familiares NÃO têm cancro nem morreram graças à doença?" ... E cheguei à arrepiante conclusão de que esses indivíduos se contam pelos dedos das mãos.
Pensei em amigos próximos (e em pessoas que já foram amigos próximos) e nos seus familiares. Pensei naquela figura que todos os Natais ocupava sempre aquele lugar determinante à mesa, na antiga casa dos meus tios; pensei no meu avô, cuja vida lhe vai sendo sugada dia após dia pelo tumor cerebral; pensei em três das colegas de trabalho da minha mãe, sobreviventes de cancro da mama; pensei em quem vi sofrer pela morte de próximos graças ao cancro; pensei em quem vive sem saber que o tem; enfim... pensei. 


"Em Portugal, e tal como acontece em todo o Mundo, a incidência do cancro está a aumentar, estimando-se que cerca de 25 mil pessoas morram todos os anos desta doença no nosso país" (Liga Portuguesa Contra o Cancro).

Pensei de imediato: "doença do século". Tal como era a peste negra séculos atrás - ou, mais recentemente, a tuberculose - também o cancro se afirma na elevada taxa de mortalidade. No sofrimento. Nos efeitos secundários do tratamento.
Pensei depois: "e... e prevenção? como saber o que causa?"
"Globalmente, os factores de risco mais comuns, para o cancro, são apresentados em seguida:

  • Envelhecimento.
  • Tabaco.
  • Luz solar.
  • Radiação ionizante.
  • Determinados químicos e outras substâncias.
  • Alguns vírus e bactérias.
  • Determinadas hormonas.
  • Álcool.
  • Dieta pobre, falta de actividade física ou excesso de peso.


Muitos destes factores de risco podem ser evitados. Outros, como por exemplo a história familiar, não podem." - Liga Portuguesa Contra o Cancro



Não esqueçamos de que estamos diariamente sujeitos a muitos dos factores de risco. Não caminhamos em ambientes repletos de substâncias poluentes (como o monóxido de carbono emitido de cada vez que conduzimos)? Não levamos o telemóvel no bolso (radiações)? Não corremos o risco de, num local público, contrair algum vírus ou bactéria? E que fazemos contra isso? 


Fechei os olhos e respirei fundo, relembrando como foi quando o meu avô consultou um médico no Brasil que descobriu qualquer coisa anómala no seu cérebro e o aconselhou a voltar para Portugal; lembrei-me do berro de agonia da minha mãe - que ouvi da cozinha, enquanto acabava de fazer o arroz -, quando a minha avó lhe ligou e lhe disse o resultado dos exames. 
É o choque. Como é que alguém tão activo, sempre a resmungar, perfeccionista, viajado, alguém que tem sempre algo a fazer ou a dizer, como o meu avô, pode, de um momento para o outro, esquecer-se do caminho para casa? Esquecer-se do nome de uma das netas? Esquecer-se das palavras a usar? 
Cancro manhoso, apareces sempre onde menos se espera...
Depois da operação, vieram os tremores, a dificuldade em falar, as lágrimas de emoção. Os amigos estavam longe, parte da família a viver a 300km de distância e um filho do outro lado do Atlântico. 
Veio mais quimioterapia e radioterapia. A confusão, a dificuldade em andar, a perda de peso, a dependência frustrante; a falta de vontade de sair de casa; dormir para escapar a tudo. E, ainda há bem pouco tempo, a resignação àquilo que eu sei bem cá dentro que lhe aguarda.
A minha avó?... Sempre perfeccionista, "mandona", com algo sempre a dizer (nem que seja para criticar!)... Desesperada, farta, sem saber o que fazer; sem escape, praticamente sozinha. Tem agora um trabalho a tempo inteiro, sem direito a folga. 
(In)Felizmente, estou a 300km de distância, sempre estive; (in)felizmente, a ligação que tenho com estes meus avós não é tão forte como eu gostaria que fosse; (in)felizmente, não estou lá todos os dias a assistir àquele decair lento, àquele consumir de paciência, àquela... tristeza; mas... dói. 
É estranho falar ao telefone com o meu avô, escutá-lo a procurar as palavras durante minutos e minutos. É estranho ouvi-lo a resmungar sempre a mesma coisa com a minha avó e a minha mãe, esgotadas de tanto lhe explicarem algo extremamente simples que ele não entende. 
Ninguém faria prever algo assim... mas é assim mesmo, certo?
Cancro manhoso...

Sei de quem tem de estar sob vigilância graças ao cancro da mama, mas que está numa lista de espera para  uma consulta da especialidade num hospital aqui perto. Essa pessoa tem uma filha e um ex-marido com quem não a quer deixar. É medo, muito medo, e revolta porque a consulta, os exames, os resultados e consequentemente o tratamento podem não vir a tempo de evitar o pior...
Onde está a urgência em salvar vidas?
Ah, e onde está o apoio psicológico a estas pessoas e aos seus familiares, tão importante quanto o apoio médico e físico?!

Chovem notícias: "olha, sabes o senhor X, do talho? Adivinha: a mãe está com cancro nos ovários"; "ei, lembras-te da senhora Y, novinha, aquela que tinha os dois filhos no infantário? morreu de cancro há pouco tempo"; "O meu pai tem um tumor no estômago e não sei se ele vai sobreviver, e agora?"; "o meu pai tem um tumor na cabeça"; "a minha tia morreu de cancro". 
E a lista continua, e continua, e continua... Vai aumentando a intervalos de tempo cada vez mais curtos. Parece um vírus que avança a um ritmo galopante e não consigo expressar o quanto isso me assusta... 
Penso na minha mãe e no historial de família dela; penso no meu irmão, no seu excesso de peso e nos problemas que daí podem resultar; penso no meu namorado; penso nos meus primos - em todos eles; penso nos meus outros avós, aqui tão pertinho de mim;...
Penso e repenso e não me leva a lado nenhum. 

Chego à brilhante conclusão que não há nada que possa fazer... Sinto-me na corda bamba, atrapalhada com este raciocínio. 

Eram já horas de ir jantar (a minha mãe chamava já pela segunda ou terceira vez) e as minhas pernas não tinham a força suficiente para me levantar da cadeira... Como raios iria segurar a guitarra no ensaio?! Ou segurar a voz quando falasse ao jantar?

Cancro, horribilis cancro... Quando pensamos que só acontece aos outros...





sábado, 19 de janeiro de 2013

Escravidão

Escravidão.
Servidão total às palavras que me fizeram refém. 
Aos soluços que despertam um mar salgado de lágrimas durante a noite,
Às ideias que correm como crianças num salão até serem repreendidas pela mãe,
Aos murros no estômago, tão característicos.
Reconheço a paisagem, estas montanhas imponentes.
Reconheço a marcha lenta em direcção ao topo.
Reconheço o que está do outro lado assim que se chega ao ponto mais alto.
Reconheço o acordar agitado e aprumado de um sonhador curioso que se digna a espreitar para o outro lado.
Também há coisas novas - luzes aqui e ali, flashes que me fazem pensar duas vezes sobre a dúvida natural que se impõe a tudo.
A questão, no entanto, é igual: continuo escrava das palavras, da caneta, do teclado e do papel; escrava das ideias que não se libertam, dos sonhos que não se diluem.........

Estranho

Ha... Estranho.
Estranho quando o coração está quase a explodir num vomitado de palavras que não se organizam para deixar escapar por entre os dedos e a caneta (ou o teclado) a verdade - escondida por detrás de metáforas e simbolismos, poemas sem aparente significado e composições escritas na calada da noite, acompanhadas do sabor salgado de uma lágrima.
Estranho quando um coração jovem, mostrando as cicatrizes ao palpitar, ainda tem a coragem de se abrir em dois pedaços iguais e receber o toque que, embora não seja o primeiro, parece. Todo o sonho, a vontade de viver, de saltar e alcançar as nuvens - prová-las como se prova algodão doce pela primeira vez! - está presente em cada respiração ofegante.
Estranho quando o tempo passa e o coração se lembra, percorrendo as antigas feridas com o dedo e levantando poeiras. A alegria inabalável dá lugar a um medo inquestionável - por detrás de cada oração professa com um beijo ou simples desejo, está o Fim à espreita, apontando o dedo, rindo-se.
Estranho quando a simples ideia de perder toda a Fé e a Esperança aperta o coração de diversas maneiras - esventrando o sorriso, a segurança e o amor-próprio.
Estranho quando a guitarra chama para dedilhar e o corpo não se mexe. A própria música, viva e correndo no sangue, esconde-se e perde-se - e, caramba, dá trabalho encontrá-la novamente...
"Dó sustenido menor; Fá sustenido menor; Fá; Ré" - É a descrição daquilo que consome, em chamas, a Fé cega, a oração emprole de algo que esperamos cegamente que fique connosco. É a montanha russa - das lágrimas incadescentes e noites em claro aos dias crescentes de certezas cada vez mais asseguradas.
É o dia-a-dia de uma mente barulhenta, criando e compondo em silêncio - mexendo com cada acorde musical - e cantando em voz bem alta, esforçando-se e contorcendo o estômago a tentar atingir aquele agudo daquela canção...
Lembra-me audições que nunca chegaram a acontecer - sonhos que não passaram disso mesmo e só me apercebi quando senti o baque surdo do acordar num novo dia.
Há sonhos que talvez não sejam para acontecer. Mas há outros sonhos e outras Fés pelas quais consideraria até Morrer...

Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto' Apesar de toda a confiança Tudo regressa numa palavra Adeus à segurança Como uma assombração se volta ...