segunda-feira, 30 de junho de 2014

Ensaio sobre a solidão

Quando tinha sete anos, costumava ir para o pátio dos meus avós brincar com as vassouras. Para mim, elas eram pessoas nas histórias que criava. Organizava-as por tamanho, atribuía-lhes nomes; fazia-as rodopiar; formava casalinhos entre elas. Chegava mesmo a usá-las como microfone para cantar (ou berrar, dependendo da perspectiva), ignorando os olhares indiscretos dos prédios em redor. E sentia-me bastante incomodada se o meu irmão quisesse fazer parte da brincadeira: aquilo era o meu plano, a minha história, não tolarava interferências!
Esta "pseudo-solidão" em que vivia deu origem a uma mente cheia, em constante reflexão, e a uma vontade imensa de me entregar à criação de histórias e à escrita. Era bom; no entanto, à medida que fui crescendo, a dita solidão foi adquirindo proporções diferentes. No quinto ano, solidão era estar no carro com a minha mãe, com o volume da rádio no máximo, enquanto ela falava com alguém ao telemóvel. Mesmo nesta espécie de solidão, fitava o céu, observava o movimento das nuvens; pensava na morte, no destino, no amor, no significado da traição. No oitavo ano, solidão significava olhar para o quadro durante as aulas de matemática enquanto os rapazes à volta conversavam com a minha colega de carteira, admirando-a como a uma deusa. No décimo ano, solidão era o nome que dava às segundas-feiras, o único dia sem companhia para o regresso a casa. Aos dezassete anos, aprendi que solidão é o conceito que exprime o vazio de uma alma que estava preenchida com todos os sonhos e todo o amor, brilhando como estrelas no escuro do Universo. Aos dezanove, voltei a ver um novo rosto da solidão nos seus olhos semicerrados e já sem vida do meu avô, que acabara de sucumbir ao cancro.
Cresço; a solidão cresce comigo - como um apêndice que terei de carregar para o resto da vida. Hoje, tornei a pensar nela, nessa companheira de viagem. Uma solidão também muito tecnológica: olhar para o visor do telemóvel e não receber nem uma mensagem da pessoa com quem tanto desejava falar; ligar a amigas e não ter resposta. Atiro o telemóvel para a cama; deito-me nela e fixo as estrelas do tecto: o que vou fazer da vida? O que faz sentido para mim? É este tipo de solidão inquisidora que não me deixa dormir, atolhando-me de questões às quais não sei dar resposta.
Mesmo em casa, acompanhada por um adolescente instável, pais cansados do trabalho e um cão irrequieto: a solidão está aqui.
Acabo por me levantar para ir jantar, apercebendo-me da solidão que reina em cada um de nós que está à mesa; o silêncio; os olhares. Sei que nada faço para preencher o vazio das pessoas que me rodeiam e levarei isso na consciência para onde quer que vá na minha vida mesquinha e pequena.
Com quase vinte anos, reacendo, embora à força, a centelha de esperança. Estou rodeada de boas amizades que me aquecem o coração, sou protegida por uma família que amo infinitamente. O mesmo não sinto quando olho para as duas figuras paternais à mesa: será a solidão deles imensa como a escuridão, afogada pelo oceano da rotina diária? Onde está o amor, se é que ele existirá mesmo?
Amor. Não confio nesse bicho tão estranho. Não confio na minha propensão para confiar em terceiros tão facilmente; e a esperança para que me abracem e aqueçam a minha alma é muito pequena. Diminuiu com a quantidade de vezes que tive de fechar aquela pesada porta de ferro que deixa fora de casa os sonhos perdidos e corações partidos, fazendo-me reclusa da minha própria casa fria e vazia, onde me rearranjo.
Por vezes, encontro conforto na solidão dos tempos. É por ela e graças a ela que escrevo, que canto, que leio, que divago - perdida na imensidão negra e taciturna de um quotidiano que passa demasiado rápido.


(Metallica - Unforgiven II)



Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto' Apesar de toda a confiança Tudo regressa numa palavra Adeus à segurança Como uma assombração se volta ...