sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Também tenho direito, não?

(Data original do texto: 21/01/16)

Hoje, cheguei a casa cansada. Doía-me a cabeça. Foi uma bênção deixar a mala cair no chão ainda antes de fechar a porta; contudo, o som estridente da porta a bater despertou-me para uma realidade que tenho andado a evitar ao máximo: o vazio.
Descansar a cabeça depois de dias de estudo frenético não resulta. Um emaranhado de ansiedades apodera-se de pedacinhos do meu corpo, cada um deles puxando em direções diferentes: "escreve!", "canta uma música!", "vai ler um livro!"... E o meu corpo, por sua vez, sentindo-se puxado e repuxado, só tem uma vontade: descansar um pouco nos braços dele. Mas os braços dele estão a doze mil quilómetros de distância. 
Deixei-me então vaguear, de olhar vazio, pelo interminável feed de notícias do facebook. Comer chocolate ao jantar soube-me bem, mas soube-me a pouco. Senti que, se pudesse, teria comido um pote inteirinho de Nutella... 
Passaram-se duas horas e nem sei bem o que estive a fazer. A rádio foi a minha companhia. Continuo com coisas para fazer, mas sem força de vontade para tal. Com esta sensação estúpida de que amanhã vou acordar simultaneamente atrapalhada e atarantada. Faz-me bem ter objetivos, um exame para o qual estudar, ocupar a cabeça com coisas úteis em vez de a preencher com coisas lamechas. 
Não sei. Por vezes, a minha vida parece-me um emaranhado de coisas que não faço por medo, aventuras que não chegam a ser aventuras, rodopios de zonas de conforto, e impotência ao ver o meu futuro profissional a afastar-se de mim de cada vez que  chego perto. Exatamente como o horizonte... Uma ilusão de ótica. O futuro é uma ilusão de ótica: quando pensas que o vês com clareza, o Mundo troca-te as voltas e os pontos de vista. E a nossa vida é isto: a integração de múltiplas perspetiva, até que a morte te priva de todos os pontos de vista possíveis para te dar a maior perspetiva que alguma vez poderias ter - o tudo e o nada, simultaneamente. 
Agora está a dar o remix da música "Sexual Healing". Sorrio, a pensar nele e na forma dele cantar aquela canção enquanto conduz. Posso jurar que ouço a voz dele e que, se olhar para a esquerda, vou vê-lo a dançar agarrado ao volante. Isto deve ser das dores de cabeça. Aliás, todo este texto deve ser das dores de cabeça. Já não me lembro de escrever assim, de forma tão honesta, ousada, apelando ao meu lado mais negro. Uma pessoa afunda-se tanto no quotidiano que se esquece do pequeno grande prazer que é conseguir desenhar palavras. E, convenhamos... É tão bom escrever. E também tenho direito, não?
Mas sim, futuro enquanto ilusão de ótica. E porque não? A nossa noção de futuro vai-se alterando enquanto crescemos... E nesta idade, dos vinte e poucos, tenho um pequeno grande futuro delineado, ali um pouco acima da linha do horizonte... O término do curso, o começo de uma vida com ele. Todos os dias trabalho para estes dois componentes do meu pequeno horizonte. Tudo o resto é-me estranho. Está desfocado, como se tivesse tirado os óculos... 
Pergunto-me muitas vezes o que vai ser de mim. O que vou fazer de mim. O que deveria estar a fazer de mim. Deveria estar a investir na escrita criativa? Na minha voz? Valerá a pena investir num futuro profissional claramente decadente? Mas não foi a Psicologia que me deu um propósito, uma razão, uma luz de compreensão do Mundo em que vivo? E não é isto o que sou - uma tola que sobe espirais de questionamento, não se satisfaz com mundanas respostas e almeja sempre a compreensão? E a Psicologia não me deu as ferramentas para ir mais além no meu questionamento e nas respostas que dou a mim mesma? Ou isto tudo é um caminho egoísta?

Por vezes, é tanta coisa em que estou dividida que sinto que quase me desintegro. É um pedacinho de mim para cada coisa...
Olhei para a esquerda, e senti-me sozinha. Tanto quanto me sinto cansada, e com dores de cabeça. Quero um abraço dele. Quero acordar amanhã, contente por ser sexta-feira e por poder estar com ele. Dói-me só de olhar para o calendário. Já assim o era quando o vi ir em Setembro, mas já não me lembrava da sensação. Acho que os tempos dele aqui fizeram todos os sentimentos maus desaparecer... É assim que se sabe que vale a pena.
E vale. Vale muito a pena. Como nunca. E todos os dias. Cada pedacinho de saudade, cada fôlego desesperado de uma crise de ansiedade, cada lágrima, cada nó que me aperta a garganta: vale a pena. Vale a pena, porque posso tocar-lhe quando ele cá está. Posso deslizar os meus dedos pela pele dele, pela barba dele. Beijar-lhe o nariz. Juntar a minha alma com a dele numa doce dança harmoniosa, através dos nossos lábios. Acariciar-lhe o cabelo.
Se não estivesse tão cansada, ter-me-ia desmanchado em lágrimas. De saudade, de auto-depreciação, de frustração. O corpo pede-me o descanso que a mente não consegue fornecer.

Uma hora depois,deito-me, quente; fecho os olhos com leveza, na expectativa de que este fim de semana seja melhor do que o último. Solto um desejo por entre um suspiro, segundos antes de o sono se apoderar de mim. Espero sonhar tranquila. Também tenho direito, não?

Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto' Apesar de toda a confiança Tudo regressa numa palavra Adeus à segurança Como uma assombração se volta ...