quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Exaustão

Chega um momento em que a exaustão puxa por mim. Mais do que a dignidade, do que a esperança, do que a força, do que a preserverança.
Sempre fui aquele tipo de pessoa que, por muito que estivesse derrotada, não conseguia passar o dia debaixo dos lençóis. Há qualquer coisa que fervilha no meu sangue e que me arrasta para fora de casa - como um zombie, praticamente - à procura de algo melhor.
Hoje, explodi.
A minha alma cansou-se de ser rasgada, de ser brinquedo nas mãos de quem sou segunda opção; o meu corpo cansou-se da pressão. O meu cérebro não consegue pensar.
Por hoje, chega. Desligo o computador e leio um bom livro até conseguir ter ganas para adormecer.
Com ou sem musica, com ou sem Fernando Pessoa.
Amanhã será, talvez, outro dia.

Mais, demais

Mais um daqueles dias.
Acordei sobressaltada após mais um sonho conturbado. Limpei o suor da testa. Olhei para cima, tentando fixar o tecto e as pequenas estrelas que lá tenho coladas (foram compradas na loja do chinês, em 2005, e ainda "funcionam" mais ou menos bem).
"Talvez sejam já 6 da manhã."
Verifiquei no telemóvel e, para meu agrado, o palpite estava errado. 4 da manhã. (Ah! 4 da matina... Aquela hora fantástica). Arranjei os cobertores e fechei os olhos, tentando enxotar as imagens daquele sonho.
Voltei a acordar às 7 horas. Num salto, pus-me de pé, puxei os estores, abri a janela, peguei na roupa e corri para tomar um duche. Ainda consegui arranjar um bom pequeno almoço: aqueci um pão e uma caneca de leite, onde juntei café e uma pitada de cacau. Mexer, comer, beber, lavar os dentes.
"Até logo, Joninhas!" - Afaguei o focinho do meu cachorro, que me olhava com as orelhas meio caídas (tinha acabado também de acordar).
Saí para fora do prédio e senti um bafo gelado na cara: o vento frio não perdoou. Também não esperava que o fizesse. Não mereço.
Aligeirei o passo para estar com quem me acompanha nestas manhãs; aprendi um pouco mais sobre Freud e a Psicanálise, acabei de ler a última obra freudiana obrigatória da disciplina; almocei bem; cheguei a casa.
"Ufa."
Pude arrancar a máscara do rosto e atirá-la para o chão.
Hoje, como em tantos dias, no meio de rotinas e queridas companhias, não me sinto aquilo que sou. Ou não serei aquilo que sinto...? Como saber? (Acho que ando a ler demasiado Fernando Pessoa!).
Senti um nó na garganta que não consigo descrever. Sinto-me usada, gozada.
("I remember when all the games began")
Promessas, promessas, promessas... Ligações e vinculações... Tantas palavras para quê? Ainda assim, continuo neste rodopio. Não consigo sair.
("And I never walked away, it's still a mistery to me")
Custou-me muito aceitar ser honesta - normalmente falo por metáforas, é-me mais fácil - comigo própria. Admitir a mim própria aquilo que me recusaria jamais a admitir... Que tenho tudo e mesmo assim me olho ao espelho incompleta... Como uma música com um poderoso riff, mas sem um ritmo adequado. (Porra! As metáforas. Oh, se dane).
Olhei para a secretária, onde estava (já não está, já foi) uma tablete de chocolate. Olhei por mim abaixo.
- Bah, pior que isto já não faz.
Consolei-me com o chocolate por um bocado, enquanto ligava o computador para imprimir umas coisas de psicofisiologia e para verificar o e-mail. Aproveitei e fui ao facebook (nada de mais) e ao tumblr (o mesmo Mundo sem sentido, o mesmo de sempre).
Fixei o ecrã. Os pensamentos. Os momentos. As palavras. Fechei os olhos. Conseguia ver aquele olhar à minha frente, ouvir aquelas palavras, sentir a minha pele a arrepiar-se e a gravidade a deixar de ter efeito. Para nada. Tentei pôr esses pensamentos em segundo plano, mas um poema acabava sempre por surgir.

Marcas o passo com os teus erros e medos
Abraças a vida sem segredos
Ris e sorris, choras de madrugada
(Por coisas que, afinal, se desfizeram. Nada.)
Com os olhos carregados, noites sem dormir
(Noites seguidas, sem sonhos, sem sonos,
Sem ilusões ou tranquilidades)
Olhando para o tecto, à espera da calma... à espera de a sentir...
Sempre teimando em resistir.

Que rodopio. Repugnância.
("As wicked as you are, you're beautiful to me").
Não consigo estudar... Procrastinar também não está a dar muito resultado. O telemóvel lá vai tremendo, a guitarra lá vai chamando, a voz lá vai treinando. Mas nada de mais. E cá continuo, nesta indecisão de semanas, nesta montanha russa que avariou no percurso.
Escrever, ler, reler. Até à hora de adormecer.
("It's over...")
Por agora.


Consciências, Inconsciências (Março 2013)

São os contornos da minha consciência
Aqueles que se apagam um a um,
Segundo a segundo,
Tempo a tempo,
Até não sobrar nenhum.
É um cruzar de braços, um tremer de frio
Traços e rabiscos que nunca ninguém verá,
Uma falta de brio
Que também mais ninguém terá.
Questões, perguntas, interrogações,
Uma vontade imensa, esmagada pelas condições.
Dir-te-ei o que quero,
Se prometeres não desviar o olhar.
O Mundo não é sincero,
Não é certo
E não me dá asas para conseguir voar.

Foge comigo, basta um olhar
Um único sinal e estou disposta a saltar.


"Seize the day" (Agosto 2013)

"Estou cansada de esperar pelo fim dos dias".
 Pelo fim de tudo. Pelo fim dos sorrisos, da alegria, da segurança, do carinho. Cansada de saber que em cada fase do percurso há perdas irreparáveis; que a cada passo seguro que dou segue-se uma queda de muitos e muitos metros de altura.
Estou cansada de ver ruínas à minha volta e saber que é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, volte a acontecer... De uma forma ou de outra.
Estou cansada de ouvir falar em tragédias, amores perdidos por orgulho, traições e vidas duplas. Cansada de as ver passar à minha frente.
Aproveito o dia, sugo todo o ar com um sorriso. Longe vão os tempos em que pensava sobre as coisas mais simples em vez de simplesmente as viver. Ou amar.
"Seize the day, or die regretting the time you lost."
As cicatrizes não são visíveis, mas sinto-as cá no fundo. Gritam por mais. É ao meu Paraíso de Esperança que me agarro, na fé cega por algo mais. Tenho de o fazer, sem isso não sou nada.
"It's empty and cold without you here, too many people to ache over".



domingo, 10 de novembro de 2013

Discurso a uma alma

Esta é a carta que escrevi, na madrugada do dia 1 de Setembro. Por falta de ar (e de coragem), não a li. Era suposto tê-la lido de olhos limpos e fortes pulmões em frente ao caixão do meu avô, dirigida a toda a capela. Aqui fica.

Antes de mais, quero agradecer-vos em nome da minha família pela vossa presença nesta cerimónia. Significa muito. Direi algumas humildes palavras, em nome dos filhos, dos netos e da pequenina bisneta do sr. Germano.

O nosso pai e nosso avô viveu em pleno. No seu percurso, conquistou muita coisa à custa de sangue e suor, experienciando derrotas igualmente poderosas. Sempre o vimos como um homem rijo, que tinha a palavra final em toda a ocasião. Poderíamos até compará-lo a um comandante, que liderou as suas tropas da melhor maneira que soube.
Mas por vezes, a vida transforma-se.
Os planos para o futuro, a ideia de envelhecer com graça até ao fim dos tempos… Parece que somos invencíveis. Mas a verdade, essa, é fria como gelo.
A doença atirou o nosso pai e avô para uma lenta e penosa mudança, como a tempestade atira um humilde barco piscatório contra os rochedos. Nunca aceitando completamente o que lhe reservava, lutou como o guerreiro que estava acostumado a ser. E nós? Lutámos do lado dele. Uns mais perto, outros mais longe. Mas não importava a distância, pois as lágrimas têm o mesmo sal e a angústia tem o mesmo sabor amargo para todos.
Quisemos sobretudo agarrá-lo à vida e ao sorriso, fizemos o que podíamos para isso. E ele também. O nosso papel, além de prestar cuidados, foi de espelhar optimismo face à situação. Chorávamos por dentro, com o estômago a torcer-se de dores, mas mostrávamos-lhe um sorriso, passando a mão pela sua cara. “Vai ficar tudo bem”, dissemos, repetidas vezes. Se calhar, mais para nos convencermos a nós próprios do que para o incentivar a ele. Até que a doença levou a melhor sobre a sua personalidade e a sua força de vontade. Uma decadência morosa e dolorosa.
A nossa mãe e avó lutou do seu lado como uma poderosa aliada. Mesmo nos momentos mais solitários, frustrantes e pesados, ergueu as armas bem alto. Não desistiu até ao último suspiro daquele que foi o seu companheiro por cinquenta anos. É uma referência e um exemplo para todos nós. Mais uma batalha estende-se pela sua frente: a batalha da perda profunda. Mas não irá estar sozinha.
Na madrugada de 28 para 29 de Agosto, sentimos a respiração do sr Germano pesada e difícil. Chamámos quem dormia: “está na hora?” perguntámos, sem receber a resposta. Reunidos em redor da cama, observámo-lo como anjos da guarda, apertando as suas mãos. Sentindo-o relaxar e estabilizar, fomos dormir. Eram 4 da manhã.
Escassas horas depois, ele finalmente partiu. Sentindo o amor da família, finalmente deixou-se levar na viagem. Acabou o sofrimento. Acabou a dor. A dele, não a nossa. A nossa perdura, intensifica-se. Porque uma coisa é saber que a morte aguarda, que espreita. Outra, é ter de fitar um ente querido que jaz imóvel diante daqueles que o amam.
O sr Germano levou uma parte de cada um de vocês que aqui estão com ele. Teremos de encontrar um cantinho no nosso coração onde ele esteja a salvo, onde a doença não o amarre, onde ele ria, fale, resmungue. Abrace.

Pai: enfim livre, voaste. Ainda vemos a tua silhueta no canto do olhar, ainda ouvimos a tua voz em cada corredor. Embora longe, serás sempre nosso - e levaste uma parte de cada um de nós nessa tua nova viagem.
Não é um Adeus: é um até mais logo, avô ♥ "

Assombração - Parte I

 'Não quero falar do assunto' Apesar de toda a confiança Tudo regressa numa palavra Adeus à segurança Como uma assombração se volta ...