segunda-feira, 11 de abril de 2016

O Monstro

O barulho do metro a deslizar nos seus carris embala-me quase até adormecer.
Hoje, como em tantos dias, o sono pesa-me nos ombros - como um gigante feito de lágrimas e mármore; como um monstro noturno, que de dia carrego às costas. Ouço-o a ressonar: "rrrrooouuum". Um barulho penetrante, de ritmo imprevisível, que me assalta quando menos espero, quero ou preciso.
Ninguém mais ouve este som horroroso: apenas eu (fechada na minha redoma asfixiante, onde é difícil respirar). Para mascarar este monstro, disfarço-o de uma formosa princesa - de sorriso fácil, olhar ternurento e cabelos ao vento.
Nunca ninguém desconfiou.
Depois, ao chegar a casa, o monstro abre um olho - mas distrai-se com as tarefas domésticas que eu vou fazendo. Ele deita-se na mesa da cozinha, de queixo nas mãos e pernas a abanar, de curiosidade plena. E vai-se rindo; de mim, da casa, da vida, enfim. Do que lhe apetece, e do que não lhe apetece.
Quando finalmente posso encostar-me às cobertas da cama e deitar-me no silêncio, o monstro desperta por completo. Esbugalha os olhos, bate com os pés no chão e berra de dor - porque arrancou o disfarce, e este estava tão bem colado à pele que até doeu tirá-lo.
Ele berra-me ao ouvido, puxa-me os cabelos, arranha-me os braços, esmurra-me o ventre, pressiona-me o tórax, aperta-me as pernas - e não me deixa fechar os olhos. O silêncio e o escuro são o seu recreio - os limites de uma caixa de areia onde ele constrói pequenos medos, que deixa em cima das prateleiras do móvel e do tampo da secretária.
Este monstro senta-se em cima de mim quando adormeço e, quando acordo, cumprimenta-me com o seu melhor sorriso e grita. Grita muito! E depois adormece. É tão pesado que não consigo tirá-lo de cima de mim: tenho de o levar comigo. Ouço a sua respiração pesada e invejo-o: tanto ele descansa, e eu não o consegui fazer! O dia começa a boa (má!) hora, e há transportes para apanhar. Corro para a estação e entro na primeira carruagem do metro. Felizmente, o universo conspirou a meu favor e encontro um lugar onde me sentar.
Encosto a cabeça ao vidro.
E o barulho do metro a deslizar nos seus carris embala-me quase até adormecer.

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