sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Canção de aeroporto (2016)

Na auto-estrada, sinto o meu estômago a contorcer-se mais a cada quilómetro que avanço. A aproximação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro deixa-me um sabor agridoce na boca: umas vezes, é o paladar de quem, nauseada, recusou ao corpo qualquer alimento; de outras vezes, é a própria sensação de que tudo o que chega, voltará a partir. Mais perto do fadado aeroporto, a estrada divide-se em duas: a azul, o itinerário das Partidas; a branco, o caminho mais feliz das Chegadas.
Já à entrada do aeroporto, o vai-e-vem daquelas portas lança-me uma questão: como consigo estar de pé, se as minhas pernas se contorcem sob o peso da angústia? Como sou capaz de pegar, valentemente, numa mala de viagem e retirá-la do porta-bagagens?
Não sei. E até hoje, querido aeroporto, não te consigo responder a essa questão. Julgo que todos nós temos uma reserva de forças que guardamos para estes momentos. Como uma reserva de combustível, que serviu, sorte a nossa, para percorrer aqueles quilómetros extra através de uma planície deserta e sedenta. É mais ou menos o mesmo. .
Quando olho em tua volta, caro aeroporto, observo uma diversidade de rostos. É neles que me abstraio: fixando cada uma destas caras desconhecidas, questiono por que estarão ali; imagino histórias de aflição, amor e aventuras, escrevo mil contos dentro da minha cabeça. É uma boa forma de fazer uma pausa na minha própria história, que tanto custa a prosseguir naqueles momentos. Em especial no check-in, que acompanho com o sentimento de quem está a testemunhar algo a ser-lhe arrancado do peito e nada pode fazer.

Oh terminal de partidas,
Só tu sabes como é a solidão...
A de quem fica, e a de quem segue no avião.


E o terminal de chegadas, por onde se passa ao descer,
Deixa uma ânsia de acelerar o tempo,
Para que pare de doer,
Abandonar a tristeza, a saudade, e o momento.

Já pisei o teu chão de pernas bambas e estômago revolto,
Triste
Mas também o fiz de sorriso brilhante e cabeça erguida

Oh terminal de chegadas, quantos abraços já tu viste?
Quantas vezes não te riste das lágrimas de felicidade

Oh Francisco Sá Carneiro,
Como é suposto que eu deixe ir a minha metade
E me obriguem a Ser Eu por inteiro?



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